“Ei! Não levanta meu babydoll, não!”, Eduardo gritou para alguém que passava por eles.

“De novo, cara?”, perguntou Lucas. “O povo gosta do teu corpinho mesmo.”

“Estás é com inveja!”

“Inveja do que, meu Deus?”, riu Lucas. “Dessa lombar peluda horrorosa?”

“Inveja do meu babydoll. Chama mais atenção que o teu.”

“Claro que chama mais atenção. Vermelho com bordados de borboletas?! Onde tu arranjou isso?”

“Tua irmã me emprestou, ué”

“Ah! Tá bom! Sou mais o meu que é mais discreto.”

“Discreto?!”, debochou Eduardo. “Dá para ver cada centímetro de pelo por baixo desse cinza. É quase todo transparente. E haja pelo hein!”

“Elas adoram! Você vai ver. Bora pegar uma cerveja.”

No caminho até o vendedor ambulante de bebidas mais próximo, iam esbarrando em várias pessoas e às vezes paravam para pular ao som de algum axé convocando para tirar o pé do chão, jogar as mãos pra cima, bater palma e rebolar com a mão no joelho. Os curtos babydolls que usavam revelavam suas cuecas ao dançarem. Também tentaram imitar, sem sucesso, as coreografias que as outras pessoas na festa faziam. Se afastaram do trio elétrico a postos no centro da praça, até que encontraram alguém vendendo a cerveja gelada que queriam. Já não se ouvia a música com clareza. A melodia parecia apenas um ruído distante com algumas graves batidas frequentes.

“Aqui não tem música, mas pelo menos tem álcool”, disse Lucas.

“Não dá nem pra se balançar direito no ritmo”, reclamou Eduardo puxando seu babydoll vermelho para baixo. “Tá muito longe.”

“Bora pegar as latinhas e voltar pra farra!”

“Bora, então”, disse Eduardo já se virando para voltar. “Ou não. Espera um pouco. Bora ficar mais um pouco.”

“O que foi?!”

“Tem uma gatinha olhando pra mim ali.”

“Quem? Onde?”

“Aquela ali vestida de freira”

“Uau! Deus me perdoe, mas já caí no pecado!”

“Ei! Eu vi primeiro”

“Não tem teu nome escrito na roupa dela não.”

“Mas fui em quem te mostrei. Se não fosse por mim não terias reparado naquele sorriso, naqueles seios, nem naquela cinturinha, ou nos quadris largos, muito menos na tornozeleira eletrônica.”

“Na, o que?”

“Eita, rapaz! Ela tá mesmo usando uma tornozeleira eletrônica. Daquelas de presidiário!”

“Sério? Como assim?!”

“E a parada tá ligada. Tá piscando uma luz vermelha tá vendo?”

“Irmã!? Me bota pra rezar ou me leva pro mau caminho! Só me leva contigo”, exclamou Lucas.

“Ela não combina nada com você”, retrucou Eduardo.

“Claro que combina. Fomos feitos um pro outro, mesmo que seja só por uma noite.”

“Isso nem faz sentido”

“Ah é!? No que ela combina contigo então?”

Eduardo pensou um pouco até encontrar a resposta.

“Ali: a tornozeleira dela é da mesma cor do meu babydoll”, Eduardo bebeu um gole vitorioso de cerveja.

“A tornozeleira não é transparente. E a perna dela não é peluda feito um lobisomem.”

“É o mesmo tom de cinza.”

“Mas a luzinha piscando é da mesma cor do meu babydoll.”

“A tornozeleira não tem um monte de borboletas saltitantes.”

“Não, mas eu farei ela se sentir saltitante depois de me beijar”, declarou Eduardo confiante e com voz meio arrastada pelo álcool.

“Ela vai é desmaiar branca de horror. E por falar em branco, o branco das roupas dela combina com meus chinelos brancos. Ganhei mais um ponto.”

“Mano, que viagem! Ela combina mais comigo, desiste logo!”

“Até agora tu só apelou pra luz piscando. O que é essa luz piscando vermelha, aliás? Acho que ela fugiu da prisão e vou ter que prender ela na minha cama”, sorriu Lucas.

“Vais é dar prisão de ventre nela.”

“Ah é?! É?! Pois ela combina comigo porque… porque… ela sorriu pra mim quando ela nos viu!”, foi a vez de Lucas de beber seu gole da vitória e secar a lata de cerveja.

“Palhaçada! Eu que te mostrei a freirinha sozinha ali com copo de caipirinha na mão dançando com a tornozeleira piscando!”

“Meu irmão, porque tu só olha pra tornozeleira?”

“Não dá pra evitar. O que uma freira fez pra ter sido presa? Como ela fugiu pra cá pro bloco?!”

“Tu acha mesmo que ela é uma freira de verdade?”

“E se for? A roupa tá muito real.”

“Por baixo dessa fantasia tem é uma diabinha que vai me queimar todinho.”

“Bora lá perguntar então. Mas primeiro bora tomar mais uma”, disse Eduardo se virando para o vendedor.

“Tu quer perguntar da tornozeleira? Eu quero é saber se ela vai pra minha casa.”

“Perguntaremos as duas coisas então”, Eduardo disse entregando uma das latas de cerveja a Lucas.

“Tenho uma ideia melhor: Quem conseguir ficar com ela é que fica sabendo da verdadeira história da tornozeleira. O outro nunca vai saber.”

“Fechado!”

“Então, bora!”

“Como vamos fazer isso? Se chegarmos os dois juntos vamos acabar espantando ela”, refletiu Eduardo.

“Tem razão”, Lucas concordou. “Talvez seja melhor irmos um de cada vez.”

“Façamos assim então: Tu vais lá com esse babydoll transparente e esse peito peludo. Conversa um pouco com ela e diz para ela vir te encontrar aqui depois. Em seguida eu que irei até ela com minhas borboletas vermelhas e volto pra te encontrar aqui neste ponto, onde iremos nós dois esperar para que ela venha escolher um de nós.”

“Será fácil! Mas não pode perguntar da tornozeleira hein!”

“Não! Não pode!”

Lucas foi até lá confiante e ofereceu uma lata de cerveja. Ela recusou. Eduardo sorriu observando. Passados alguns minutos, Lucas voltou já pedindo outra cerveja ao vendedor.

“Ela amou o peito cabeludo. Não falei? Agora é tua vez.”

Eduardo chegou na freira fazendo o sinal da cruz. Ela riu e ele riu junto. Depois de alguns minutos de conversa, Eduardo apontou para onde seu amigo estava e, se despedindo, voltou até Lucas.

“Ainda não sei se ela é freira de verdade ou não”, reclamou Eduardo.

“Eu sei que ela não tem nada de santa!”

“Silêncio! Ela está vindo.”

A mulher parou bem em frente aos dois. Olhou-os de cima a baixo. Estendeu a mão para Eduardo e o levou de braços dados em direção ao trio- elétrico.

Lucas inclinou a cabeça boquiaberto. Sacudiu a mão direita em direção do casal, resmungando xingamento inaudível. Se virou, então, para o vendedor de cervejas.

“Nem combinava comigo mesmo.”

“Mas, e aí? O que ela fez para usar a tornozeleira?”, perguntou o vendedor.

“Ela não me contou. Até perguntei, mas ela mudou de assunto.”

“Pelo menos, depois teu amigo te conta.”

“Aquele cara? Ele não é meu amigo não? Conheci ele aqui no bloco. A gente se esbarrou; derramamos cerveja um no outro; rimos e saímos pulando atrás do trio.”

“Ah não! E agora?”

“Agora, me vê mais uma cerveja!”