“Eu vou para casa no final de semana sim, mãe” falava Florencia ao telefone. “Não quero perder o aniversário do meu irmão. Sim, estou comendo direitinho. As pessoas aqui são bem-educadas e dedicadas também, mãe. Este é o trabalho certo para mim.” Enquanto conversava com sua mãe, um dos funcionários entrou correndo no refeitório gritando:
“Chefe, precisamos de você no laboratório. É urgente!”
“Preciso desligar, mãe. Terei que encurtar a hora do almoço. Nos vemos no sábado.” Florencia, em seguida, se dirigiu ao colega. “Algum problema nos computadores, José?”
“Não é o que parece. Lhe conto no caminho.”
O prédio anexo ao Grande Telescópio Magalhães não possuía longos corredores, priorizando o uso do espaço para salas de diferentes equipes. Uma das maiores salas era o refeitório onde estavam. A sala de Operações, para onde se dirigiam, tinha espaço para seis pessoas e estava sempre ocupada em turnos diferentes.
“Há alguns minutos recebemos uma mensagem alarmada da equipe do ALMA. Pedindo para confirmarmos uns dados estranhos.” Informou José. “Estamos, desde então, estudando e tentando entender do que se trata, mas a conclusão mais óbvia parece impossível. Creio que detectamos vida alienígena vindo para nosso planeta!”
“Bobagem. Deixa eu ver os dados.”
Na sala de monitoramento, Florencia sentou na mesa central e usou seu notebook para analisar os dados. Sua equipe a observava empalidecendo e esfregando a testa com o polegar e o indicador em movimentos de pinça. De repente, com um sorriso revelou: “Isto não é uma nave alienígena, meus caros. É o mesmo objeto que visitou nosso sistema solar há treze anos. Este é Oumuamua! Continua sendo igualmente misterioso que tenha retornado para cá em tão pouco tempo. Eu até poderia dizer que é um objeto parecido, mas este parece ser exatamente igual! Mesmas dimensões e comportamento. Mas desta vez estamos melhor equipados. Poderemos estudar melhor esse objeto e desvendar alguns dos muitos mistérios que o circundam, incluindo a sua composição. Nosso telescópio consegue realizar algumas dessas análises. Bom trabalho a todos na compilação dos dados! Irei agora mesmo ao nosso diretor conseguir a autorização para essa missão.”
No caminho para a sala do diretor, Florencia sofria a cada passo. Apesar de ter demonstrado tranquilidade ao falar com sua equipe, ela suava na linha onde terminava a testa e começava seus longos cabelos que usava sempre preso em coque no trabalho.
“Boa tarde, Júlian! Preciso falar com você.”
“Entre, Florencia.”
“Serei breve e direta. Detectamos um objeto esquisito entrando no sistema solar. A equipe do ALMA mandou esses dados e creio que temos o ferramental necessário para colaborar.”
“De jeito nenhum!” Vociferou Júlian, estalando os dedos duas vezes. “Temos outra missão a cumprir. Ainda não coletamos todos os dados do grupo de matéria escura na galáxia de Andrômeda.”
“Mas Júlian, esse é o Oumuamua!”
“Como assim?”
“Oumuamua, nosso visitante interestelar de anos atrás. Tudo indica ser ele quem está de volta. Com o Magalhães temos a oportunidade de melhor estudá-lo, desvendar sua composição e forma em detalhes.”
“Pelos nossos cálculos ele deveria estar a caminho de outra estrela a essa altura.”
“Mais um motivo porquê precisamos desviar a atenção do telescópio para esse objeto. Se o padrão se repetir, teremos uma curta janela de apenas alguns dias de análise.”
“Ah! Certo! Me convenceu. Também quero saber mais sobre ele. Preciso cuidar da papelada da autorização e avisar as autoridades quanto ao atraso da outra missão. Planeje com as demais equipes o início deste novo monitoramento.”
Florencia agradeceu séria, mas saiu da sala com um enorme sorriso no rosto e dando socos no ar. Observar o Oumuamua seria um sonho virando realidade, afinal ela ainda carregava consigo o fascínio da menina de dezesseis anos assistindo vídeos no celular da mãe sobre aquele objeto misterioso.
“Mamãe!” Pensou ela. “Ela não ficará nada feliz em saber que faltarei ao aniversário”
Passados quinze dias da travessia pelo sistema solar, Florencia já não estava tão animada quanto ao projeto. A tensão a consumia. Já estava há quatro noites sem dormir pensando nos dados que coletara. Ainda não acreditava que, desta vez, o Oumuamua tivesse emitido ondas de rádio.
“Florencia, vá para casa” disse Júlian. “Você precisa dormir um pouco.”
“Obrigada pela preocupação. Mas eu não consigo esquecer isso. É o trabalho mais importante da minha vida!”
“O que você já descobriu até agora?”
“Que as ondas têm algum padrão. Há padrões que se repetem. Comparando com alguns outros ramos de conhecimento, pude identificar semelhanças com nossa tabela periódica. Eles parecem, também, estar ensinando a fazer operações básicas de matemática.”
“Eles quem, Florencia?”
“Quem quer que tenha enviado o Oumuamua. Essas ondas de rádio são, claramente, sinais de vida inteligente. Minha hipótese é que, na primeira viagem, o Oumuamua leu nossas ondas de rádio enquanto passava perto de nossa órbita e aprendeu a se comunicar. Não sei afirmar se ele é só um veículo artificial como a Voyager ou uma nave espacial tripulada. Mas é certo que essas ondas não aconteceram da outra vez.”
“Você está assistindo filmes demais!”
“Espere mais três dias e verá!”
Florencia passou as outras três noites a base de café e pisco. Mistura que ela aprendeu a fazer sozinha e sempre a manteve acordada e ativa nas noites de estudo desde a faculdade. O sabor do álcool com a cafeína a lembrava daquela época de juventude e aprendizado. Quando ela saboreava essa bebida, ela se sentia motivada a aprender coisas novas como sempre o fez. Na terceira madrugada acordada, ela confirmou sua hipótese de que a mensagem continha um ensinamento matemático. Bebeu mais um gole e, sorrindo, concluiu a análise.
Na manhã seguinte, ela nem esperou Júlian entrar no prédio. Ficou esperando por ele na porta do edifício, à sombra do telescópio. Quando ele chegou, ela o puxou pelo braço e o levou correndo até a sala de Operações, onde pôde expor a revelação diante dele e de parte da equipe da manhã que também estavam chegando para iniciar o expediente.
“Desvendei o mistério!” Ela disse sorrindo exageradamente. “É uma fórmula matemática. A prova de que é possível viajar no tempo!”
“Como assim, viagem no tempo?!”, perguntou José.
“Não alimenta a loucura dela!” respondeu Júlian, com um estalo de dedos na direção de José.
“Não é loucura”, se defendeu Florencia.
“Claro que é! Você está há praticamente uma semana sem dormir direito, vivendo a base de café e pisco!”
“Eu posso provar. Veja!”
Ela então correu para ligar a televisão gigante no canto da sala para transmitir a tela de seu computador e passou cerca de três horas explicando os cálculos e realizando simulações.
“Demorei a compreender a equação porque ela envolve conceitos de física quântica com os quais eu não tinha muita familiaridade. Até que, desvendei. Vejam, numa escala quântica é possível viajar para o passado e, aparentemente, isso ocorre naturalmente. Contudo, há algo novo nas fórmulas que recebemos, a possibilidade de escalar esse fenômeno para grandes objetos tais quais seres multicelulares ou uma grande nave espacial, mas, para isso, teríamos que primeiro estar em um dos pontos de anomalia gravitacional da órbita da Terra. Eles explicaram tudo isso usando uma linguagem baseada na composição de átomos similar ao que enviamos para o espaço na década de 1960.”
Ao final da exposição, José estava boquiaberto com tudo o que ouvira. Júlian, porém, permanecia de semblante fechado.
“Chefe! Essa é a descoberta mais importante do século! Talvez de toda a história da humanidade!” disse José.
Florencia virou o olhar para Júlian esperando sua aprovação.
“Delírios! Só vi delírios! Agora com licença que vou tomar meu café da manhã.”
Assim que ele saiu da sala, Florencia se voltou para a equipe e disse:
“Quer saber!? Não precisamos dele! Posso muito bem publicar essas descobertas sozinha. Tenho certeza que a comunidade científica vai me apoiar.”
“Tem certeza, chefe? Passar por cima de Júlian pode ser arriscado. Ele pode acabar lhe removendo do cargo e da pesquisa.”
“Ele precisa saber que estou certa. Quando esse artigo passar pela revisão por pares ele irá se calar e aceitar a verdade.”
“Estamos contentes em capitanear a primeira expedição temporal da humanidade!” anunciou Edward Wright, sócio e fundador da Temporiz. “Nossos cientistas confirmam as descobertas feitas pela equipe do Gigante Telescópio Magalhães. A viagem no tempo é possível, é segura e vamos desenvolvê-la.”
“Como pretendem fazer isso?” perguntou o repórter que o entrevistava na televisão.
“Montaremos uma nave protótipo primeiro. Ela será enviada para o ponto de Lagrange L3, pois a anomalia gravitacional da região é essencial para os cálculos. Lá, os Motores de Síncope Temporal serão ativados.”
“Síncope Temporal?”
“Sim. É o nome que escolhemos, pois, efetivamente iremos distorcer o espaço-tempo de tal forma que a nave inteira será enviada ao passado. Iremos desaparecer, ficar alguns instantes não-existindo e reaparecer no passado.”
“Para quando será enviada? Não corre o risco de cair na casa da minha mãe né?” perguntou rindo.
“Não! Não se preocupe. Mandaremos para algum momento muito anterior ao surgimento do Homo sapiens. Com isso poderemos estudar melhor a evolução da vida no planeta.”
“Então esse é o benefício imediato dessa iniciativa? Observar a evolução da espécie humana?”
“Não apenas da espécie humana, mas de todo o planeta. Primeiro, arriscaremos uma viagem curta. Depois, poderemos ver até mesmo como a lua se formou, ou mesmo a formação do Sol!”
“Conseguiremos ver o Big Bang?”
“Boa pergunta! Também perguntei isso para nossos engenheiros. Infelizmente, me informaram que isso não seria possível porque o Big Bang não se iniciou aqui na Terra. Isso quer dizer que a nave surgirá no passado, mas não poderá sair do Sistema Solar.”
“Muito bem! Aqui encerramos a entrevista com Edward Wright. Muito obriga…”
Entregando o controle remoto na mão de sua assistente, Edward se voltou para sua equipe.
“Isso foi há pouco mais de um ano. Nossa primeira fala pública sobre os planos de construção da Divortium Aquarum. E, após estes meses todos, ela finalmente está pronta!” disse apontando para a janela à sua esquerda.
Estavam todos num grande auditório. Cento e setenta e quatro cientistas de vários campos do saber escutando as palavras do diretor da empresa para qual trabalhavam. O auditório fora construído com vista para o pátio principal do laboratório onde desenvolveram a Divortium Aquarum. Quando olharam para a enorme janela à sua direita, os cientistas viram as luzes do outro lado se acender e revelar a nave protótipo. A nave possuía trezentos metros de comprimento, dos quais mais da metade eram para os Motores de Síncope Temporal. Havia uma cabine para abrigar algumas pessoas para a viagem no tempo, mas esse protótipo será enviado vazio, contendo apenas várias outras espécies orgânicas como plantas, bactérias e pequenos animais como ratos de laboratórios.
“Eis a maior engenharia da humanidade!” Edward aplaudiu sendo seguido de aplausos e ovações por todos presentes no auditório. Edward nem voltou a falar, preferiu deixar a equipe comemorar à vontade. Em dois dias lançariam ao espaço a mais ousada iniciativa científica de todos os tempos.
No domingo, Edward rabiscava as iniciais de seu nome, em um bloco de anotações em sua mesa, aguardando o lançamento. Não demonstrava em público, mas temia que aquela cientista chilena pudesse estar certa. De que ainda não era prudente executar a Síncope Temporal, afinal ainda havia cerca de dez porcento da mensagem extraterrestre não decodificada. O que poderia dar errado? Todos os cientistas da Temporiz revisaram as fórmulas e confirmaram sua eficácia. Várias universidades ao redor do mundo também fizeram o mesmo. Inclusive na China. Edward não deixaria os chineses vencerem a América nesta que seria, agora, a nova corrida espacial. Ou seria corrida temporal? Com certeza estava diante da nova fronteira da exploração do universo. Ela não entendeu isso na última conversa? Edward se lembrou de como foi o diálogo:
“Sabe o que acho, doutora…?”
“Beltran. Florencia Beltran.”
“Florencia, certo! Nossa hipótese aqui na Temporiz é de que a equação restante diz respeito a voltar para o futuro, mas não conseguimos interpretar porque ainda não temos o resultado de uma viagem bem-sucedida para o passado. Esta é a peça que falta. Só saberemos quando a viagem acontecer.”
“Muita coisa pode dar errado nesses dez porcento. Edward.” ela disse elevando a voz ao nome dele antes de encerrar a ligação abruptamente.
No circuito interno de TV, Edward contemplava o lançamento e esqueceu de Florencia quando a contagem regressiva começou.
“… Cinco, quatro, três, dois, um.” A Divortium Aquarum decolou. Em cinco minutos já estava fora da órbita terrestre a caminho do ponto de Lagrange.
A viagem da Divortium durou cerca de mil dias. Para garantir o sucesso da missão, os cientistas preferiram acionar os Motores de Síncope remotamente para acompanhar os resultados dos monitoramentos de cada sensor disponível na nave-protótipo. Com a nave em posição, Edward autorizou o início dos procedimentos acompanhando tudo presencialmente na sala de controle.
Os dados começaram a chegar através dos satélites de apoio dos pontos de Lagrange L4 e L5. Sucesso ao ligar os motores. Todos os organismos a bordo continuavam vivos. Nenhum dano na parte externa da nave. Sensores de calor indicando aumento súbito de temperatura. Fim da transmissão de dados. Edward procurava em seus bolsos por uma caneta para rabiscar algo. Seu rosto sério como sempre. Então um dos engenheiros levanta e anuncia:
“O telescópio do Alabama não detecta a nave. Não houve explosão. Ela simplesmente desapareceu. Deu certo!”
Edward sorriu! Ele conseguiu desenvolver uma máquina do tempo!
“Você não pode fazer isso!”
“Claro que posso”, Edward respondeu nervoso. “É minha empresa, eu decido o que posso ou não fazer.”
“E se algo der errado, quem cuidará da empresa? Eu só cuido da contabilidade. Não sei quem teria visão tão ousada quanto a sua a ponto de construir uma máquina do tempo.”
“Veja bem: deixarei alguém me representando enquanto eu estiver no passado. Amanhã lhe passo os contatos da pessoa que eu escolher.”
“Mas, por que você deseja tanto essa loucura?”
“Tenho dois motivos: preciso coordenar nosso retorno, observar os resultados da viagem e desvendar o restante da mensagem alienígena para voltarmos para cá; E também quero muito ver alguns dinossauros”, Edward concluiu sorrindo.
Milhares de pessoas compartilhavam da mesma empolgação de Edward para uma viagem no tempo. As cinquenta vagas disponíveis na nave Divortium II foram bastante disputadas. A mídia estava dividida entre apoiar a iniciativa ou condenar; protestos aconteciam toda semana em frente à Temporiz; governantes de outros países relutavam em se posicionar a respeito devido aos contratos firmados com a empresa. Mesmo em meio a turbulência, os planos de Edward prosseguiram.
Foram selecionados quarenta e dois cientistas da equipe da Temporiz e, apenas, outras oito pessoas foram sorteadas para a jornada. Saíram da Terra, em dezembro de 2037, em uma nova versão da Divortium equipada com gravidade artificial e proventos suficientes para os anos seguintes. Ao longo da viagem, as pessoas a bordo puderam aprofundar seus relacionamentos e se conhecer além das relações profissionais que mantinham na Terra.
“Rapaz! Não é que é azulzinha mesmo!”, comentou um dos tripulantes olhando para o planeta Terra já tão distante que só se via um pequeno ponto de luz.
“Mesmo após tantos dias, essa vista continua a me causar assombro”, respondeu Edward.
“Senhor Wright! Nem vi você chegando.”
“Me chame Edward. Estamos todos juntos nessa conquista para a humanidade. Não precisamos dessa formalidade.”
Um barulho de algo batendo contra uma parede e um grito de dor desviou a atenção da conversa. Dois homens começaram a brigar no corredor.
“O que está acontecendo aqui?!” indagou Edward.
“Esse imbecil beijou minha namorada. Eu vou matar o desgraçado!”
“Ninguém vai matar ninguém aqui. Ainda mais vocês dois. Precisamos de vocês para a viagem de volta.”
“E isso ficará sem punição?”
“Relaxa”, disse o outro homem se levantando, “estamos indo para o passado e há grande possibilidade de ficarmos presos lá. Vamos começar outra civilização. É melhor nos livrarmos, logo, de conceitos ultrapassados como a monogamia.”
Antes que o homem fosse atingido por outro soco, Edward se pôs no meio deles, intervindo.
“Chega de violência. Se isso aqui é um triângulo amoroso, falta uma peça desse quebra-cabeça. O que pensa a outra pessoa envolvida? Venham os três ao meu escritório.”
Em meio a diversos computadores, que calculavam o restante da mensagem do Oumuamua, Edward pacificou os amantes convencendo todos a aceitar os sentimentos um do outro e a lidar com seus próprios conflitos internos de forma civilizada e com bastante diálogo. Ao saírem da sala, ligou um gravador em um dos computadores para registrar seus pensamentos. Enquanto gravava, Edward rabiscava suas iniciais numa folha de papel.
“E se não conseguirmos voltar? Será mesmo que teremos que construir uma nova civilização vivendo num passado distante? Terei escolhido corretamente as pessoas para essa missão? Ainda nem chegamos a nosso ponto de partida e já estamos brigando entre nós. Ai! Isso não me soa bem…”
Ao chegar no ponto L3, passaram alguns dias procurando por sinais da primeira Divortium Aquarum. Algumas pessoas a bordo ainda acreditavam na hipótese dela ter explodido e de encontrarem seus destroços flutuando no espaço. Nada foi encontrado, contudo. A nave havia realmente desaparecido. Isso aumentou a confiança da equipe. Chegara a hora de iniciar uma viagem ao passado. Ligaram os Motores de Síncope. A nave tremeu bastante. Estabilizou. Sumiu.
“Filha, sai desse quarto. Vem jantar.”
“Ela continua se isolando, mãe?” perguntou o irmão de Florencia.
“Sim, Carlos, ela raramente sai do quarto. Cada dia é pior, fazendo contas e lendo mil livros.”
“Deixa ela lá então! Quem manda ela desafiar o chefe e sair publicando essa história de viagem no tempo? Tinha que ser demitida mesmo.”
“Não fala assim…”
“Falo mesmo! Ela deveria é viajar no tempo pra ficar com a família dela, naquele dia. No meu aniversário! Não conversando com alienígenas.”
Florencia abriu a porta do quarto com um olhar cansado pela falta de sono, cabelos despenteados e soltos, ombros caídos pela má postura adotada nos últimos dias de estudo.
“Tá parecendo um alienígena, mesmo!” disse Carlos.
Ela o encarou e o empurrou com os ombros para ir até à cozinha. Pegou seu prato e voltou para o quarto para terminar sua pesquisa. Antes que fechasse a porta, seu irmão entrou no quarto gritando.
“Não dessa vez. Que merda toda é essa que tá acontecendo aqui?”, perguntou assustado com toda a papelada espalhada pelo quarto.
“É uma tradução.” ela respondeu sem entonar a voz.
“Tradução do quê?”
“De algum idioma sem nome e sem pronúncia. O restante da mensagem do Oumuamua não é uma fórmula matemática. É uma frase.”
“Ah tá! E o que ela diz?”, debochou o irmão.
“Não viajem.”
“O que isso quer dizer?”
“Essa é a parte que estou tentando entender. Primeiro explicam como efetuar uma viagem no tempo e depois dizem para não realizar a viagem?! Ainda me falta pouco para entender o motivo. Olha isso aqui”, apontou para um diagrama desenhado num quadro na parede. “Essa é a melhor tradução que pude fazer da última parte da mensagem”, explicou esfregando os dedos na testa. “Mas está faltando algo. O que acontece com os corpos que viajam no tempo? Parece que se transformam em algo novo, há um subproduto resultante da viagem…”
“Não entendi nada! Há quantos dias tu estás olhando pra essas coisas? Precisas deixar um pouco de luz entrar nesse quarto.”
“Luz…”, repetiu Florencia pensativa. “Luz! É isso!”, exclamou arregalando os olhos.
Florencia arremessou o prato de comida em cima da cama e correu para seu computador, ignorando totalmente a presença da família que olhava assustada para ela. Seu irmão estava prestes a puxá-la pelos ombros quando ela se virou sorrindo.
“Eu consegui! Eu traduzi tudo!”
“Sério?! A última palavra era luz?”
“Não. Mas era o elemento que eu precisava usar na simulação final. Adicionei luz na simulação para ver como o elemento novo produzido pela viagem interage com a luz. Eu esperava ver alguma cor refletida, para eu determinar qual elemento era esse, mas isso não aconteceu. Esse elemento não interage com a luz. Ele é matéria-escura!”
“Você descobriu a natureza da matéria-escura?!”, Carlos perguntou dando um passo para trás.
“Exatamente! Em resumo: a matéria-escura é uma maneira do universo corrigir uma impossibilidade física que parece viável matematicamente. Ainda que os cálculos confirmem ser possível viajar no tempo, o resultado não é bem esse. Os corpos que viajam no tempo, seja uma partícula quântica ou uma gigantesca nave espacial, são convertidos em matéria-escura após empreender o evento de Síncope Temporal.”
“Então todas aquelas pessoas que viajaram na Divortium estão…”
“Mortas. Sim. Todas aquelas pessoas morreram e viraram parte da massa de matéria mais esdrúxula que já encontramos no universo.”
“Meu Deus!”, sua mãe exclamou lacrimejando.
“Agora vai me dizer que isso não precisa ser publicado, mano? Precisamos alertar o mundo para que não repitam o que a Temporiz fez.”
“Nisso, eu concordo. Irá resgatar a honra dessa família”, Carlos respondeu suspirando. “Então, viajar no tempo é realmente impossível?”
“Só podemos viajar no tempo em uma direção: para o futuro. Como sempre fazemos. É nosso destino inevitável. Caminhar para um futuro incerto aproveitando o máximo que temos do presente.”
“E quem ensinou tudo isso, para nós, foi uma mensagem vinda do espaço.” Carlos comentou pensativo. “O que será que aconteceu com quem mandou a mensagem?”