Parafuso e fluido em lugar de articulação. Assim Pitty descreve um organismo robótico em sua música Admirável Chip Novo, refletindo uma visão contemporânea de uma robótica análoga à biologia. Ainda que tenhamos robôs sem corpo, na forma de assistentes virtuais, também cresce o número de robôs inspirados na biologia como drones voadores, braços mecânicos para cirurgias remotas ou para cozinhar e até relações sexuais.

No artigo In Love With Machines: the bioethical debate about sexual automation, Elen Cristina Carvalho Nascimento et al discutem diferentes aspectos éticos sob o mercado de robôs sexuais. Tratam do possível impacto dessas tecnologias nas relações humanas e de como nosso sistema econômico tem influência pelo desenvolvimento desse mercado e possível novo comportamento emergente. Me chamou atenção a citação de Richardson que reproduzo em tradução livre:

“No livro de Richardson, Uma Antropologia de Robôs e IA: Ansiedade Aniquiladora e Máquinas”, ela volta para “O Capital” de Karl Marx para destacar como o sistema capitalista industrial materializa relações humanas e cria relações sociais entre coisas. Se a sociedade capitalista acredita que tudo é uma mercadoria, ela conclui: “O afeto humano-robô só é possível por causa desta sociabilidade mecanicista que sublinha a sociabilidade contemporânea. Sociabilidade mecânica é um resultado de uma crise afetiva em como humanos se relacionam uns com os outros.” (Richardson, 2015, 131)

Arrisco afirmar que a citada crise afetiva tem origem em diferentes fenômenos. O mito do amor romântico precisa ser incluído nessa equação, pois as expectativas extremamente idealizadas criadas sobre parcerias amorosas são fonte constante de frustração e de inspiração para músicas populares. Sobre o tema recomendo os livros de Regina Navarro Lins. Também considero importante observar o consumo excessivo de pornografia e suas representações espetaculosas do coito que também podem criar expectativas irrealistas no público a quem se destina.

Tenho dúvidas se robôs sexuais conseguiriam atender plenamente às necessidades biológicas do sexo ou se seria apenas uma masturbação mais complicada. Afinal, perde-se o contato dinâmico e criativo que só outro ser-humano pode proporcionar além de provavelmente produzir menos ocitocina. No quesito criatividade, como seria lidar com certos fetiches como BDSM? Na asfixia erótica, por exemplo, é preciso que os envolvidos respirem oxigênio para se obter a sensação de euforia ao recuperar o fôlego; seria possível simular tal comportamento em um robô de fins sexuais?

Agora entrando mais no campo da ficção científica. Fiquei imaginando se a reprodução sexuada para vidas baseadas em silício seria uma estratégia evolutiva tão vantajosa quanto o foi para a vida orgânica. Talvez se mantivermos o mesmo padrão modular onde podemos escolher à vontade os “fenótipos” destes robôs, como nos produtos da companhia Real Doll, a reprodução sexual não seja tão necessária para os robôs. Talvez não tenhamos mesmo um robô viciado em jogos e prostitutas como em Futurama.

"Ótimo vou construir meu próprio parque temático, com jogos e prostitutas. Na verdade, esqueça o parque (…) Ah que se dane tudo!”

Nesse aspecto, eu sou adepto da mesma visão de Gilberto Gil em Cérebro Eletrônico: “…sei / que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro / em meu caminho inevitável para a morte”. Entretanto, resolvi fazer um teste jocoso. Tentei paquerar a Google Assistente, mas acho que ela me deixou na friendzone. Ou seria um amor philia?